The Reader (2008)
Uma película que me foi escapando por entre os dedos cada vez que a quis ver. Em plena época de Óscares, este filme estreou no cinema onde eu trabalhava na altura e constantemente esgotava, havendo mesmo pessoas que imploravam para ficarem nas escadas, mesmo sendo esse um lugar tipicamente solitário de uma paixão que também nos foi escapando por entre os dedos, que ignorámos e pela qual não lutámos apenas porque nos achávamos preciosos demais para alcançar a força que pode ter um simples perdão. Tudo se agrava quando essa paixão foi (numa dimensão cronológica) apenas uma pequena referência no longo sumário de trambolhões que representa uma vida. Tudo se agrava quando essa paixão foi (numa dimensão clara de intensidade) algo que pode perdurar para além daquilo que se reconhece como o fim, algo suficientemente forte para construir uma lembrança que se afunda na imensa ignorância que é o esquecimento.
É durante esse período dimensionalmente perdurante numa escala de intensidade que a nossa cruzada se altera em breves segundos se silêncio e plenitude. É aí que descobrimos o maravilhoso mundo do desconhecido, quando conhecemos alguém que quer desvendar connosco tudo aquilo que expectámos desde que nos lembramos. E é nas pequenas apropriações que moldamos para tudo aquilo que julgamos ser os últimos a conhecer que reside todo o segredo de uma história que pensamos ser apenas nossa e que apesar de perdurar numa dimensão de intensidade sabemos que não vai resistir à força cronológica e a todas as paredes e barreiras que vêm contra nós aleatoriamente enquanto pensamos que se trata de uma terrível conspiração contra o absurdo mas único e paradisíaco mundo que criámos enquanto voávamos daqui para a eternidade. Esse segredo será o teste de uma vida que nos reserva uma imensidão de tentações que poderão encobrir aquilo que se viveu. O curioso é que é na dimensão cronológica da nossa existência que vamos buscar a prova de vida que precisamos para evocar as tais apropriações que criámos e que eternizaram aquela pequena referência que passa despercebida a quem não a conheceu. Então aí percebemos que a cronologia de uma história não tolera um regresso que faça perpetuar aquilo que se quis mas não se fez e tudo o que resta são as memórias e exteriorizações de algo que mudou a nossa essência para todo o sempre. “O Leitor” é isto. Se quiserem esquecer a formalidade que é a enumeração daquilo que falhou e resultou a nível cinematográfico, “O Leitor” é isto. Um filme emotivo, sobre um amor que muito antes de ser proibido foi vivido de forma única e inesquecível.
Tal como eu gosto, a história é muito simples: Michael Berger é um jovem que se apaixona loucamente por Hannah Schmitz, uma mulher com o dobro da sua idade que o encontra doente na rua e o ajuda. Enquanto entram num jogo de sedução e se deixam levar pela brutal atracção física que sentem, Hannah desafia Michael a ler frequentemente para ela quando descobre que Michael tem um talento especial para a declamação. Certo dia Hannah desaparece sem deixar rasto, deixando para trás um jovem com o coração despedaçado e com uma vida que de repente ficou sem rumo. Oito anos mais tarde, Michael vai assistir a uma audiência em tribunal no âmbito do curso de direito que está a tirar, audiência essa que reconhece Hannah como funcionária das SS nazis no campo de concentração de Auschwitz. Logo no início do filme deparamo-nos com um desenvolvimento de uma paixão proibida, rara e estranha que na minha opinião foi demasiadamente apressado. Se o que interessava era a existência daquela paixão por si só e não como começou, então saltava-se esse capítulo e começava-se o filme já com um relacionamento perfeitamente consumado. Por outro lado, as cenas de romance entre Kate Winslet e David Kross são de uma profundeza maravilhosa. Stephen Daldry entra num jogo com estes dois actores que permite transparecer para o ecrã a ingenuidade, a loucura, a rebeldia e a inconsciente liberdade que introduzem à relação que vivem e isso é encantador. Depois temos a vertente simplista da contracena entre os dois personagens, sendo esta uma característica que viaja das interacções mais básicas até aos diálogos. E por fim uma excessiva nudez aparentemente injustificada mas que combina muito bem com a inocência e inexperiência de um jovem entregue às mãos de uma experiente e vivida mulher. Individualmente, uma interpretação genial de David Kross, um trabalho de Kate Winslet muito exigente a nível emocional e um Ralph Fiennes que soube adaptar perfeitamente as características emanadas pelo jovem Michal Berg para a versão mais adulta da personagem. Ainda assim, foi muito difícil para mim dissociar esta personagem de Ralph Fiennes do temível Amon Goeth (A Lista de Schindler), por em ambos os filmes estar a representar em histórias directamente relacionadas com a fúria do nazismo de Hitler, só que em dois lados da moeda totalmente inversos. Em relação ao Óscar de representação atribuído a este filme, se não soubesse para quem tinha ido, apostaria claramente em David Kross. Houve trabalhos muito mais convincentes por parte de Kate Winslet.
EXAME:
Actores: 8/10
Argumento/Enredo: 7/10
Duração/Conteúdo: 8/10
Fotografia/Cenários: 9/10
Transmissão da principal ideia do filme para o espectador: 9/10
Título em Português: "O Leitor"
Ano: 2008
Realização: Stephen Daldry
Actores: Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross
8 comentários
Eu adoro esse filme! Ótimo roteiro, direção eficiente do Daldry, e grandes interpretações, especialmente da Kate Winslet! Excelente texto ;)
ResponderEliminarhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Kate Winslet, em um dos seus melhores momentos. Excelente filme!
ResponderEliminarMuito boa a critica. Muito emotiva, e percebe-se ser bem pessoal.
ResponderEliminarÉ um filme encantador, a Kate é encantadora, e lida com os estilhaços do Holocausto de uma forma muito interessante mas acima de tudo é uma história de uma amor que ficou para sempre. E também o enorme peso do perdão.
Obs: Essa descrição do pessoal querer ver até das escadas da sala esgotada é tocante. Não imaginava que este filme tinha tido assim tanta afluência. Ainda bem, apesar de quando saiu não me ter puxado nada o ver e depois o fui vendo pelo TVCine sem grande dedicação... mas um dia vi com mais disposição e gostei sim. A passagem na RTP foi novamente valiosa.
É sem dúvida um bom filme.
Pedro, de facto é a mais rica crítica que já fizeste a nível literário. Parabéns!
ResponderEliminarÉ mesmo um excelente filme, e adoro o elenco.
Também o apanhei na TV. Em breve, vejo.
ResponderEliminarAbraço
Frank and Hall's Stuff
Stephen Daldry é fantástico mesmo. Diretor de um dos meus filmes favoritos, há tempos quero ver esse O Leitor, que tantos falam e parece ser incrível mesmo. Texto incrível, adorei particularmente o segundo parágrafo, onde dá pra se perder imaginando as cenas que virão vendo o filme.
ResponderEliminarAbraços.
@Rafael W: Concordo contigo, eu gostei muito do filme, muito bem dirigido, apesar de não concordar contigo no grande elogio que fazes à Kate Winslet! Obrigado pelo teu comentário!
ResponderEliminar@Alan Raspante: o mesmo para ti Alan, é de facto uma boa interpretação mas sinceramente interpreto os prémios que ela recebeu derivados desta prestação mais como "prémios carreira" do que propriamente apenas devido ao trabalho em "O Leitor". Obrigado pelo teu comentário!
@ArmPauloFer: Referiste uma coisa muito importante que eu penso ser o centro do filme: o enorme peso do perdão. Esse facto é exteriorizado muito bem por Stephen Daldry. Em relação à afluência do filme na altura em que eu fui gerente de um cinema, o mesmo é em Cascais e é da Castello Lopes, no entanto perde muito para o cinema da Zon que por aqui há. Mas era em filmes como "O Leitor" que a Zon não acha serem suficientemente comerciais que nós lucrávamos porque as pessoas vinham ao nosso cinema ver o filme pois o mesmo não estava em mais nenhum sítio. A nossa directora de programação achou que não iria dar muito e colocou o filme em estreia numa sala mais pequena: Resultado=Sessões esgotadas e pessoas a verem o filme sentadas nas escadas daquela sala. Lembro-me que o ambiente que se sentia entre os espectadores era idêntico ao do filme: pesado, tenso, perplexo, emocionado, rendido. Claro que não estamos a falar de uma afluência recorde, mas lembro-me perfeitamente destes pequenos momentos. Obrigado pela tua constante prontidão para acompanhar este blogue!
@Jota Queiroz: Obrigado Jota, acho que de crítica para crítica estamos todos a crescer muito!
@Bruno Cunha: Vê, não o percas, mas vê quando tiveres espírito, cabeça e paciência!
@Gabriel: Obrigado pelo comentário Gabriel, de facto fiz este texto com um registo diferente do habitual e cerca de 15 minutos depois de ver o filme o que pelos vistos resultou muito bem. Ainda bem que gostaste! Vê o filme, se ainda por cima gostas de Daldry, vais certamente adorar!
Excelente análise, com paixão é verdade mas acima de tudo sincera e coerente. Partilho genericamente da opinião, considero-o um grande filme que explora emocionalmente e de forma concreta o peso da guerra, as suas implicações e consequências. Adorei a interpretação da Kate Winslet, está quase sempre num underacting brutal a meu ver, e aí discordo ligeiramente - o óscar foi bem entregue.
ResponderEliminarEstamos perante um muito bom filme, que na minha opinião encontra-se subvalorizado hoje em dia.
abraço